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O PERFIL DO CARTOLA CRUZMALTINO

O rei da Fuzarca

Conheça a história do dirigente vascaíno Eurico Miranda, que durante quatro décadas colecionou títulos e polêmicas no futebol brasileiro.

Miguel Meyer

23 de junho de 2021

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Eurico iça a bandeira vascaína: o dirigente fez do Vasco a sua vida. UOL

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Para uns, a imagem de Eurico Miranda se confundia com a do Vasco em uma espécie de simbiose. Outros dizem que representava o retrógrado e a estagnação no passado. Para ele próprio, o clube cruzmaltino era a sua pele. "Doutor", como sempre foi chamado, foi um tipo de caudilho do futebol, fonte de ódio e idolatria dentro e fora dos muros de São Januário, sede histórica do clube carioca. Repleto de contrastes e contradições, o mandatário vascaíno é, até hoje, um divisor de águas na política interna do clube. 

 

De diretor de cadastro a presidente, Eurico Miranda viveu 52 anos dentro do Vasco. Como vice de futebol entre 1986 e 2001, o cartola foi figura-chave em um dos períodos mais vitoriosos da história do clube, com a conquista de 26 títulos. Entre eles, uma Libertadores, três Brasileiros e uma Mercosul. 

 

Ao mesmo tempo, Eurico deixou como legado uma instituição fragmentada, com feudos de controle que, segundo os opositores, estão sendo desmontados pelo movimento de renovação. Para Julio Brant, adversário de Eurico e líder do grupo Sempre Vasco, essa herança é umas das principais causas da situação em que o Vasco se encontra: um clube de tamanha tradição amargurado na série B do Campeonato Brasileiro. 

 

- Do ponto de vista político, o legado que o Eurico deixa é de um clube fracionado e de uma política de baixíssimo nível, agressiva, que expulsa tudo aquilo que diverge e que ameaça os interesses próprios. É uma representação do Vasco fechado. Um Vasco, como ele gostava de dizer, que se resolve dentro dele. Isso joga o clube em um quadrante muito negativo de imagem e de institucionalidade. E, infelizmente, esse é o cenário de hoje. Quando você fala de Vasco, todo mundo vira o rosto.

 

De acordo com o grande benemérito e ex-vice-presidente de futebol do clube, Paulo Pereira, a efervescência política sempre existiu. Na visão dele, querer culpar Eurico pelo quadro político atual é uma injustiça.

 

- Clube fechado, eu discordo. Todas as vezes que participei das gestões do Eurico, quando ele era vice-presidente de futebol e presidente do clube, sempre o vi recebendo a todos, sendo adversário político ou não. Além do mais, concordo plenamente que os problemas do Vasco devem ser resolvidos de forma interna.  Ele sempre manteve o status de um clube respeitado. O Eurico já morreu há mais de dois anos e a confusão política continua. 

Foto: Audiência Carioca

Emblema de uma instituição

 

dirigente raramente era visto com a camisa cruzmaltina. Apesar disso, a harmonia entre homem e entidade era tanta que, por muito tempo, sua imagem foi confundida com a da instituição. "Eu sou o Vasco", falava ele. Amado ou odiado, a indiferença nunca foi adjetivo para descrever o cartola vascaíno.

 

No vestiário, junto aos jogadores, puxava o grito de guerra a cada conquista. "Casaca. Casaca. Casa, Casa casaca". Fazia questão que todos ouvissem, em um ato de união e definição de hierarquia. Eurico deixava claro quem mandava. Era o rei da fuzarca, "grupo" que compartilhava com seus correligionários. Era o todo-poderoso. 

 

O mandatário brigou com a oposição, os adversários, a imprensa e com o governo. O modelo centralizador e avesso a críticas, ao estilo Poderoso Chefão, era marca fundamental de sua influência. Essa maneira de gerir caracterizava o que muitos diziam ser a corrente ideológica do "euriquismo". Com um charuto na boca e um suspensório no corpo, o dirigente fez do clube a sua vida. 

 

- O euriquismo nada mais é do que uma filosofia de Vasco, talvez chamada de maneira pejorativa, que enxerga uma instituição tradicional. É um clube muito vinculado à questão de colônia e à questão familiar. Você não pode abandonar isso mesmo querendo se tornar mais moderno - analisou o benemérito vascaíno João Carlos Nóbrega. - Talvez o erro do Eurico tenha sido não apontar com clareza o clube do futuro que ele imaginava. Mas ele sempre destacou o clube do passado que ele não queria que morresse.  

 

Apesar das críticas ao modelo de gestão, Eurico sempre foi visto como um homem de palavra e extremamente popular. No domingo de Páscoa de 2000, Miranda distribuiu 40.000 ovos de chocolate para os torcedores em um clássico contra o Flamengo. O resultado: comemoração do título da Taça Guanabara e uma goleada por 5 a 1 no maior rival. "Dei os ovos de Páscoa para a torcida (do Vasco) e chocolate para eles ", provocou o dirigente, após a partida. 

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Vídeo: Rede Globo

Para o cientista político e grande benemérito do clube Luís Manuel Fernandes, Eurico se apresentava como um apaixonado e defensor intransigente dos interesses da instituição. E, com esse posicionamento, estruturou uma adesão forte pessoal daqueles que identificavam nele uma figura disposta a passar por cima de tudo e de todos para defender o clube.

 

- A liderança do Eurico, pegando a Teoria Política de Weber, é uma liderança carismática forte. Assim, ela disputava adesão ou aversão, como se não pudesse ter um meio termo. Mas toda liderança carismática tem um problema que é a sua própria sucessão. Se a adesão é personalizada, não pode ser transferida. Ele acreditava que essa posição poderia ser usada em benefício do Vasco em um contexto que era desfavorável ao clube. De certa forma, era uma postura de resistência para enfrentar o cerco hostil que permeava a instituição.

 

Vale lembrar que Eurico declarou guerra à TV Globo na final da Copa João Havelange, em 2000. Na época, Vasco e São Caetano se enfrentaram em uma decisão que ficou marcada pela queda do alambrado em São Januário. De acordo com o cartola, a emissora manipulou as imagens ao longo da cobertura, dando a entender que ele e o Vasco não se importavam com as vítimas. Na remarcação do confronto, em janeiro do ano seguinte, o clube cruzmaltino estampou na camisa a logomarca do SBT para atingir a emissora, que tinha os direitos de transmissão da partida. Depois do episódio, o Gigante da Colina sofreu uma política de asfixia financeira por parte da Globo.

Foto: Vasco da Gama

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Eurico no jogo Vasco e São Caetano, em 2000. Fabio Seixo/Agência O Globo 

Do apogeu ao declínio

 

Enquanto vice-presidente de futebol de Antônio Soares Calçada, Eurico foi responsável por uma das épocas mais vitoriosas da história do Vasco. Tido como um dirigente visionário nos anos 90, o cartola colecionou títulos e estabeleceu rivalidades que duram até os dias de hoje. 

 

- Ninguém é tudo mal nem tudo bem. Todo mundo tem suas facetas. Um dos legados positivos que o Eurico deixou foi de, ao longo da década de 80 e início de 90, criar uma rivalidade com o Flamengo, que era o grande time do Rio de Janeiro. Na ocasião, o Vasco tinha um time modesto em termos de orçamento e estrelas. O Eurico conseguiu, na retórica, trazer a rivalidade, que se acentuava entre Flamengo e Fluminense, pro Vasco. Isso colocou o clube em uma posição de destaque, e jogou Botafogo e Fluminense pro ostracismo - disse Brant. 

 

Em 2001, dois dias antes do título da Copa João Havelange, Miranda foi eleito presidente do Vasco, cargo que ocupou até 2008, quando foi sucedido por Roberto Dinamite. O primeiro período à frente do clube cruzmaltino foi marcado pela tentativa de recuperar financeiramente a instituição, que estava endividada desde o começo do século, e pela seca de títulos nacionais. 

 

No seu retorno à presidência, no triênio 2015-17, Eurico endossou o discurso de respeito ao Vasco. Depois de dois rebaixamentos sob a direção de Dinamite, o mandatário prometeu se mudar para a Sibéria em caso de uma nova queda. No dia 6 de dezembro de 2015, o clube empatou com o Coritiba e, pela terceira vez em nove anos, foi rebaixado para a Série B. 

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